sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A PROFECIA DOS TRÊS

A PROFECIA


O menino era medroso e dormir no chão lhe parecia melhor do que em seu confortável colchão, contanto que fosse o chão do quarto de seus pais. Ele não se importava com as consequências, uma noite ali valia por mil castigos depois.
Todas as noites o menino se levantava com o maior cuidado para não acordá-los e se esgueirava até o cálido e aconchegante piso de onde tinha a perfeita vista dos pés de seu pai.
Essa noite tudo prosseguia conforme seus planos, ele se levantou, se arrastou até seu território e ficou imóvel alguns segundos esperando alguma repreensão…“Nada”_havia conseguido. Agora, só teria que acomodar-se para cair no mais profundo sono, porém, resolveu olhar uma vez mais, só para estar seguro de que os pés seguiam ali. “Ufa”_o menino sempre se aliviava ao vê-los imóveis na cama, e já ia fechando os olhos, quando, de repente, com um movimento brusco, os pés foram cama abaixo. 
“Droga, ele acordou”_pensou o menino já se levantando para voltar ao seu frio e solitário quarto. Mas algo estava mal, não escutou nenhum “já para o seu quarto”, nada de “quantas vezes já te falei para não deitar no chão?”, muito menos um “você tá de castigo!”.
O pai estava sentado na beira da cama e sua mão direita se movia de um lado a outro, parecia escrever algo no ar.
_Pai?_mas não obteve resposta. Aproximou-se mais e percebeu que seus olhos estavam fechados “Ele continua dormindo, que sorte”_o menino estava muito aliviado por não ter sido pego em flagrante. 
_Pai, acorda_ mas suas palavras não surtiam efeito nenhum, seguia dormindo. Resolveu sacudi-lo o mais forte possível... Nada. Então, tentou conter suas mãos, sem sucesso algum. O homem continuava em transe.
Começou a ficar preocupado e decidiu agir radicalmente, se aproximou o máximo que pôde de seus ouvidos, sua boca chegava a encostar nas orelhas do pai,  reuniu todo o ar possível em seus pulmões e soltou o grito mais forte de sua vida:
_PAI! ACORDA! PAI!_Porém, tudo que conseguiu foi fazer sua mãe saltar da cama apavorada e fuzilá-lo com seu olhar possesso.
_Paulinho, que é isso?!
_Desculpa mãe, eu queria acordar o papai.
_E isso é jeito de acordar alguém?
_Parece que não, porque ele continua dormindo...
_Tá dormindo nada, não está vendo ele sentado?
_Mãe, ele está sentado, também está escrevendo, mas os olhos dele estão fechados.
A mãe contornou a cama e parou ao lado do filho:
_Arthur?
O homem seguia escrevendo freneticamente.
_Arthur, para de brincadeira, você está assustando o Paulinho.
_Mãe, ele tá dormindo, não te escuta.
Mãe e filho fizeram de tudo para acordá-lo: tentaram com água, barulhos, puxões e até mesmo uns quantos tapas foram deferidos, mas nada surtiu efeito. 
_O que esse homem tanto escreve, meu Deus?!
Foi então que Paulinho teve uma ideia: foi correndo até seu quarto e pegou uma caneta e seu caderno da escola. Já que não podiam vencê-lo se juntariam a ele. Voltou eufórico, entregou o caderno para a mãe e colocou a caneta na mão dançante do pai. A mãe segurava o caderno com as duas mãos na posição certa para que a caneta deslizasse sobre o papel. Arthur pareceu satisfeito, esboçava um leve e imperceptível sorriso em seus lábios, porém depois de alguns minutos de intensa escrita, parou.
Mãe e filho se olharam assustados, a expressão do pai era de desgosto. 
_Arthur?_tentou mais uma vez se comunicar.
Já estava por amanhecer quando foram surpreendidos pela voz firme do pai:
_Aqui não._ E tendo dito, se levantou. Seus olhos seguiam fechados, mas parecia poder ver, pois se locomovia com precisão. O grande homem abria e fechava as portas da casa.
_Mãe, e agora?
_Eu vou ficar com seu pai, você corre pra chamar o doutor, rápido!
Paulinho correu o mais rápido que pôde até a casa do médico e bateu na porta incansavelmente até que finalmente esta se abriu.
_O que está acontecendo aqui?_A mulher do médico parecia ter caído da cama e não estava nada satisfeita com Paulinho_O que você quer menino?
_Meu pai, ele, ele precisa de ajuda, rápido, precisamos do doutor!_Paulinho cuspiu as palavras de uma vez.
A mulher revirou os olhos, provavelmente pensando “porque me casei com um médico” e gritou:_XAVIER!_para depois fechar a porta na cara do pobre menino. Paulinho ficou na dúvida sobre o que deveria fazer, olhou a porta, olhou para trás e foi então que viu, passar como um raio, seu querido pai. Sua mãe ia correndo desesperada atrás. Ele não teve tempo de reagir, a porta voltou a ser aberta:
_O que houve com seu pai, Paulinho?
O menino apontou para os dois vultos correndo em direção a floresta e gritou:  
_Vamos!
O pai era grande e seus passos levavam vantagem, iniciou-se uma verdadeira caçada,  a cena era inusitada: quatro pessoas correndo pela floresta. O primeiro de olhos fechados guiava os demais; a segunda desesperada, se concentrava em não cair; o terceiro se perguntava o que acontecia ali e o quarto se esforçava ao máximo em não ficar para trás; todos de pijama.
_Arthur! Arthur! Pare de correr um pouco! _o médico não agüentava mais e parou para respirar.
_Doutor, ele não pode te escutar, tá dormindo._o menino gritou enquanto deixava o outro para trás.
A curiosidade do médico foi maior que seu cansaço:
_Me esperem! Estou indo!
Mas Arthur não podia esperar, ele seguia correndo, se desviando, saltando, até que finalmente...parou. Sua mulher demorou um pouco para alcançá-lo:
_Graças a Deus! Não agüentava mais. _Ela apoiou as mãos nos joelhos e com a cabeça para baixo, não pôde ver o que fazia seu amado marido.
_Mãe! Olha!_foi só quando Paulinho e o Doutor chegaram que ela levantou a cabeça. Sua boca se abriu e seus músculos se congelaram. O médico tinha os olhos arregalados e o menino engolia em seco, todos paralisados com o que viam: Arthur estava parado em cima de uma enorme pedra com a caneta em punho escrevendo pelos ares.
_Arthur vamos descer dai? É muito perigoso, se você cair pode se machucar feio.
_Doutor, ele não acorda! Está dormindo!_avisou o menino.
_Como fazemos para despertá-lo? Por favor!_implorou a mulher.
_Há quanto tempo ele está assim?
_Algumas horas.
_Tentamos de tudo para acordá-lo, ele só fica escrevendo, não abre os olhos, não escuta...
_Ele fala alguma coisa?
_Disse apenas “aqui não” e começou a tentar sair de casa, eu tentei impedir, mas ele me empurrou e começou a correr como um louco.
_Mãe, eu acho que ele quer escrever na pedra. Olha!_o menino apontava para o pai que tentava, com a caneta, escrever sobre a pedra.
_Eu vou pegar tinta pra ele_Paulinho não esperou que sua mãe protestasse e saiu correndo_Já volto pai!
Aproveitando-se da ausência do garoto, mãe e médico foram sinceros:
_O que é isso doutor? 
_Martha, eu nunca vi algo assim antes. 
_Não será sonambulismo?
_Não acho que seja... 
_Tem que ser, doutor! Que outra explicação teria?
_Ele parece estar em um transe profundo ou... _o doutor hesitou em compartilhar sua opinião.
_Ou?
_Possuído...
Os dois se olharam e ao mesmo tempo seus olhos se voltaram para Arthur. Havia descido. O médico não perdeu tempo e foi até ele, tentou de todas as maneiras chamar sua atenção.
_Ele não escuta, tampouco me vê, quero ver se sente.
_Já tentamos doutor, joguei água, o belisquei, sacudi, nada adiantou.
_Martha, se você não se importa, eu quero tentar algo.
_Como queira, doutor…
Xavier estava intrigado, respirou fundo, fechou o punho e atacou com toda sua força o estômago do amigo. Se alguém tinha dúvidas sobre a veracidade do estado de Arthur, o golpe demonstrou que ali não havia fingimento. Arthur não esboçou nenhuma reação ao ataque, sua cara, seu corpo e seus movimentos não se modificaram nem por um segundo. Sua mulher, sim, soltou um grito de horror.
_Parece que ele não sente também…_constatou o doutor.
_E se o amarrarmos e o levarmos para casa? Ou pra um hospital?_Martha estava assustada e ter a companhia do médico tampouco a tranquilizava muito. Xavier parecia mais perdido do que ela.
_Sinceramente, eu não sei o que fazer. Nunca havia visto nada parecido…
Martha e o doutor ficaram em silêncio por um tempo, apenas observavam o estranho comportamento de Arthur. O homem seguia tentando escrever com sua caneta, ora na grande pedra onde havia subido minutos antes, ora no enorme paredão de rochas que se encontrava justo atrás. Ele se deitava, se agachava, ficava na ponta dos pés, sempre tentando escrever, mas diante de tamanho insucesso começou a demonstrar seu descontentamento com a caneta. Primeiro sacudindo, logo golpeando-la e finalmente balançando a cabeça violentamente de um lado para o outro. Martha não aguentava mais ver o marido naquele estado:
_Por favor, faz alguma coisa, doutor! Dá um calmante, qualquer coisa…
O médico não teve chance de responder_Paulinho havia chegado com duas latas de tinta e um pincel que conseguira no ateliê de seu pai. Porém, o menino não havia trazido apenas isso. Atrás dele estavam cinco curiosos, entre eles a mulher do doutor. Enquanto todos exigiam explicações, Paulinho abriu as latas e mergulhou o pincel na tinta vermelha. Delicadamente tirou a caneta da mão do pai e a substituiu pelo pincel. O que aconteceu depois foi pura mágica. Arthur pintava com um entusiasmo inspirador: eram símbolos e mais símbolos por toda pedra. Os espectadores tentavam decifrar o que era aquilo tudo, aos poucos iam chegando mais e mais pessoas para assistir. Em pouco tempo, praticamente todo o Povo das Florestas estava ali. Vieram os do Povo Alto, os da Vila da Única Floresta, os da Vila das Duas Florestas e até mesmo os da Vila das Três Florestas. 
Os minutos foram passando e viraram horas, as pessoas começaram a perder o interesse. Arthur seguia pincelando a gigantesca pedra, subia e descia, ia de um lado a outro, ele escrevia sempre a mesma seqüência de símbolos, e de repente parou. 
O silêncio tomou conta do lugar, todos esperavam e olhavam atentos pelo próximo ato. Arthur molhou o pincel pela última vez, se dirigiu ao grande paredão que se encontrava limpo e vazio, e começou a escrever novamente, mas dessa vez não havia símbolos, eram letras, logo palavras e depois toda uma oração. Assim que o ponto final apareceu, Arthur foi ao chão. 
Paulinho assistia a tudo impressionado, seu pai era importante, todos estavam ali para vê-lo. O menino se sentia orgulhoso e olhava o pai cheio de admiração. Já sua mãe estava horrorizada e temia pelo marido, todos ali o vendo naquele estado, que humilhação. 
Foi quando Arthur desmaiou que mãe e filho uniram seus sentimentos em total harmonia e preocupação. O médico foi o primeiro em chegar. Certificou-se de que ele estava respirando e acalmou os ânimos:
_Fiquem tranqüilos, ele está bem. Agora sim, ele está dormindo. Escutam?
Os roncos de Arthur fizeram todos rir, com exceção de mãe e filho.
Ao som de tamanhas gargalhadas, Arthur abriu seus olhos assustado:
_O que está acontecendo? 
Martha mergulhou no pescoço do marido, seguida por Paulinho:
_Você acordou! Graças a deus! Que susto me deu Arthur!
_Pai!
_O que está acontecendo? Estamos na Floresta Alta? 
Arthur parecia mais perdido do que qualquer um ali. O que estavam fazendo na Floresta? Porque havia tanta gente? 
_Dêem espaço para ele, calma Arthur, vamos pra casa, ai te explicaremos tudo. Você consegue caminhar?
Xavier, Arthur, Martha e Paulinho finalmente iriam para casa e Paulinho deu uma última espiada na obra do pai:

“OS 3 DONS TERÃO QUE SE JUNTAR, O EQUILÍBRIO ENTRE AS FORÇAS DA NATUREZA DEVE-SE ALCANÇAR, SÓ ENTÃO O MUNDO IRÁ SE SALVAR, POIS SEM FLORESTAS A VIDA NAO EXISTIRÁ”




O nascer de um serial killer

O doutor entregou o menino em seus braços e ela sentiu que o que segurava não lhe pertencia. Pediu que o levassem dali. 
Sua mãe imediatamente foi apertar suas mãos em sinal de apoio ao ver a cara de desaprovação das enfermeiras que levaram o bebê para o berçário. 
"pobre bebê, o pai não veio para o nascimento e a mãe mal o olhou ao nascer"
O neném renegado era tranquilo e pequeno. Logo virou o xodó do berçário. Mas quando chegava no quarto 302, seu status mudava drasticamente. 
_Por que você não tenta segurá-lo, desta vez? 
_Mãe, eu já disse que não quero!_ Zamira olhava o pequeno corpo à sua frente.
_Minha filha, não se desespere. Isso é normal muitas mulheres sentem o mesmo...
_E porque você não me falou sobre isso antes? Se eu soubesse que carregaria algo em minha barriga durante nove meses, para depois descobrir que não o quero, teria tirado.
_Não fala besteira! Vai passar. É comum ter depressão pós-parto._Zulmira tentava acalmar a filha, mas no fundo estava preocupada.
_Você acha que algum dia eu vou gostar dele?
_Eu tenho certeza, minha filha. Olha que anjinho, tão quietinho...
Zamira olhou para a manta azul imóvel e por um segundo pensou que estava imóvel demais. Seu coração se agitou e pela primeira vez deteve seu olhar no bebê. Mas seus olhos não transmitiam ternura, seu olhar era frio. Estava compenetrada, torcia para que a manta não se mexesse jamais.
_Viu? As coisas já estão melhorando..._Zulmira deixou cair uma pequena lágrima ao presenciar pela primeira vez a filha admirando o neto.
O que a doce velhinha não sabia, era que na verdade, Zamira acompanhava os movimentos imperceptíveis da manta com a esperança de sair dali sem o maldito embrulho azul.
As enfermeiras faziam de tudo para irritar a mãe desnaturada que se recusava a dar o peito. Já o bebê não queria saber da mamadeira. As enfermeiras imploravam para Zamira recebe-lo, mas a mulher estava irredutível. O jeito foi alimenta-lo com um conta-gotas, mas o menino parecia não saborear o leite jogado em sua boca e gritava forte em sinal de protesto. 
_Já escolheu o nome?_Zamira escutou isso por duas semanas até que sua mãe, por conta própria, começou a chama-lo de Sully.